Você, estudante ou concurseiro da área de comunicação social, já ouviu falar da Escola de Chicago? Embora seja mais conhecida por suas contribuições à sociologia urbana, essa corrente de pensamento que floresceu no início do século XX lançou as bases para entendermos o papel da comunicação na sociedade.
Vamos entender as ideias desses pioneiros que continuam relevantes até hoje.
O cenário de Chicago: um Laboratório Social e urbano
A cidade de Chicago no final do século XIX e início do século XX era um caldeirão de culturas em plena industrialização e com um crescimento urbano explosivo.
A chegada massiva de imigrantes de diversas partes do mundo transformou a cidade em um cenário complexo, repleto de novas dinâmicas sociais. E foi nesse contexto que surgiu a Escola de Chicago, pioneira nos estudos de Teorias da Comunicação de Massa.
O objetivo foi estudar as experiências humanas dentro desse ambiente urbano em transformação. Assim, a cidade se tornou, nas palavras de Robert Park, um verdadeiro “laboratório humano”.
A Universidade de Chicago, fundada em 1892, foi o berço dessa escola de pensamento. Com um forte foco em pesquisa, a universidade atraiu intelectuais de diversas áreas, especialmente sociologia e filosofia, interessados em compreender essa nova realidade urbana.
A Sociologia não era valorizada (ainda!)
Acho importante destacar que a Sociologia era um campo novo no cenário científico na época em que a Escola de Chicago começou suas pesquisas.
Em 1913, era vista como uma aliança parcialmente institucionalizada de atividades como: especulação formal sobre a natureza da sociedade, filantropia cristã e estudos descritivos destinados a mostrar a magnitude dos problemas sociais.
Essa nova área de estudo era recebida com suspeita e desdém por disciplinas mais estabelecidas. Assim, a própria Escola de Chicago, em seu início, serviu como um “refúgio para párias, radicais e desajustados que queriam fazer perguntas críticas sobre a natureza da sociedade moderna” (Peters & Simonson, 2004, p. 16).
Principais autores e suas ideias
A Escola de Chicago reuniu diversos pensadores e pesquisadores influentes. Para citar os que mais se destacam temos três:
Robert Ezra Park
Considerado uma das figuras centrais, Park via o sociólogo como um “super-repórter“, alguém capaz de entender e comunicar as realidades da vida social.
Sua experiência como jornalista o levou a reconhecer a importância da mídia, especialmente os jornais étnicos, na integração dos imigrantes à nova sociedade. Ele acreditava que a leitura desses jornais em suas línguas nativas ajudava os recém-chegados a se adaptar.
Park também participou da frustrada tentativa de criar o “Thought News“, um jornal focado em divulgar pesquisas sociológicas para o bem da sociedade, em conjunto com Franklin Ford e John Dewey. A missão do jornal era:
- Divulgar temas importantes para todos: ciência, educação, política, cultura e religião fazem parte da vida das pessoas e devem ser discutidos de forma aberta e coletiva, não tratados como assuntos técnicos que só interessam a especialistas.
- Focar no que importa: ao falar sobre novas pesquisas ou descobertas, destacar as conclusões principais e o impacto real, evitando detalhes complicados que confundem ou cansam.
- Apresentar ideias com neutralidade: quando livros ou revistas trazem novas ideias, mostrar o que elas têm de relevante, sem julgar se são “certas” ou “erradas”, como um crítico faria.
Ou seja, o objetivo do “Thought News” era reportar as descobertas de pesquisas sociológicas para o bem da sociedade. A ideia era que o jornal seria mensal e baseado em assinaturas, funcionando como um veículo para disseminar o “pensamento” e contribuir para a melhoria da sociedade.
Apesar de sua ambição, o projeto do “Thought News” falhou por ser muito caro e administrativamente complexo para ser comercialmente viável. Não existem evidências de que o jornal tenha sido publicado por um período significativo de tempo, se é que chegou a ser publicado.
George Herbert Mead
Embora não focasse diretamente na comunicação de massa, suas ideias sobre a relação entre mente, self e sociedade e o conceito de “gesto significante” são fundamentais para entender a interação social e a troca de significados; processos centrais na comunicação.
Herbert Blumer
Aluno de Mead, Blumer cunhou o termo “interacionismo simbólico“, uma abordagem que enfatiza a importância dos significados que os indivíduos atribuem às suas interações. Em 1939, Blumer também foi pioneiro ao definir o conceito de “massa” em relação à mídia.
Com estes e tantos outros pensadores, Escola de Chicago defendia que a comunicação era um processo de interação ou troca simbólica fundamental para a construção da experiência dos indivíduos e da sociedade.

A influência (paradoxal) nos estudos de Comunicação
A influência da Escola de Chicago nos estudos de comunicação de massa às vezes é vista como algo contraditório (ou paradoxal).
Isso acontece porque, por um lado, os pesquisadores dessa escola foram pioneiros em mostrar que a mídia e a comunicação são essenciais para entender a vida das pessoas e da sociedade. Eles defendiam que a mídia não era algo separado, mas sim parte de um sistema complexo de instituições sociais (como escolas, igrejas e governo), que influenciavam como as pessoas se relacionavam.
Além disso, a Escola de Chicago participou de pesquisas importantes, como os Payne Fund Studies, que analisavam como os filmes afetavam o comportamento dos jovens.
Por outro lado, os métodos de pesquisa usados pela Escola de Chicago eram qualitativos, ou seja, baseados em observação, entrevistas e interpretação. Isso era muito diferente das abordagens quantitativas e positivistas (que usam números, estatísticas e experimentos controlados) que se tornaram dominantes mais tarde, principalmente com a Mass Communication Research (pesquisa em comunicação de massa) da Universidade de Columbia.
Por causa dessa diferença, muitas ideias da Escola de Chicago acabaram sendo ignoradas ou rejeitadas por um tempo, especialmente quando os estudos de comunicação passaram a valorizar mais resultados “objetivos” e numéricos.
No entanto, em alguns momentos, as ideias da Escola de Chicago foram incorporadas em outras áreas.
Por exemplo, durante a Segunda Guerra Mundial, elas ajudaram a entender o papel da propaganda na sociedade. Anos depois, essas ideias passaram por uma “redescoberta”, principalmente por estudiosos que queriam analisar a mídia de forma mais crítica e com foco na cultura. Um exemplo famoso é James Carey, que usou as ideias da escola para defender que a comunicação não é só a transmissão de informações, mas também um processo ritual (como um ritual que cria e fortalece a cultura e a comunidade).
Resumindo, a Escola de Chicago teve uma trajetória cheia de altos e baixos: foi pioneira, depois criticada, mas suas ideias continuaram influentes em momentos específicos e ganharam novo reconhecimento com o tempo.
Principais conceitos da Escola de Chicago
Agora um resumo rápido e objetivo sobre os seis principais conceitos e ideias defendidas pela Escola de Chicago. Anote para não esquecer! E aproveite para salvar esse diagrama que bolei especialmente para você usar como um mapa mental da Escola de Chicago em seus estudos para concursos e provas.

1. Sociologia Urbana
Este campo de estudo da vida social e da interação humana nas áreas urbanas foi central para a Escola de Chicago como um todo. A própria cidade de Chicago serviu como um “laboratório social” para muitos dos seus estudiosos, como Robert Ezra Park. Ernest Burgess também contribuiu significativamente para a sociologia urbana com o seu modelo de zonas concêntricas e estudos de criminologia.
2. Interacionismo Simbólico
Esta perspectiva que enfatiza a criação de significado através da interação social foi fundamentalmente desenvolvida por George Herbert Mead e popularizada por seu aluno Herbert Blumer, que cunhou o termo em 1937. Charles Horton Cooley, que ensinou Mead, também introduziu a ideia do “looking-glass self” (“eu espelhado”), uma precursora do interacionismo simbólico.
3. Comunicação como Integração
A visão do processo comunicativo como uma troca de símbolos que constrói a experiência social é uma decorrência direta do interacionismo simbólico e, portanto, fortemente associada a George Herbert Mead e Herbert Blumer. Robert Park também via a comunicação, especialmente através dos jornais, como indispensável para a integração social e a formação da opinião pública. Ou seja, a mídia ajuda a unir sociedades complexas.
4. Ecologia Humana
O estudo das relações entre as populações humanas e seu ambiente foi uma influência significativa na Escola de Chicago, inspirada por concepções orgânicas da sociologia e pela ecologia. Robert Ezra Park é particularmente associado a esta abordagem, vendo a cidade como um “laboratório social” onde processos ecológicos como adaptação, agregação e segregação ocorriam. A criminologia ambiental, também conhecida como ecologia criminal, associada à Escola de Chicago, investiga como o meio ambiente local pode influenciar o crime. Nessa visão, a cidade funciona como um organismo vivo, com áreas que se complementam.
5. Gesto Significante
Este conceito, defende a compreensão da comunicação como essencial, e foi desenvolvido por George Herbert Mead. Refere-se a ações que evocam a mesma resposta tanto em quem as faz quanto em quem as recebe, permitindo a troca de significados.
6. Mente, Self e Sociedade
Estes são os três eixos do ato social completo, interdependentes e moldados pela interação, conforme estabelecido por George Herbert Mead em sua obra “Mind, Self and Society” (1934). Mead argumentava que o “self” (eu) surge do processo de atividade, comunicação e experiência social.
Esta obra contém uma apresentação geral do sistema de psicologia social de George H. Mead. Suas ideias sobre o tema se desenvolveram a partir de 1900, na Universidade de Chicago, ao longo de um curso muito famoso e de larga influência intitulado “Psicologia Social”.

Principais obras relacionadas à Escola de Chicago
Agora, caso você esteja realmente interessado em se aprofundar nas ideias e contribuições da Escola de Chicago para as Teorias da Comunicação, sugiro que leia as principais publicações, que deixo listadas a seguir.
- “The City: Suggestions for the Investigation of Human Behavior in the Urban Environment” (1915) de Robert E. Park. Este artigo, publicado no American Journal of Sociology, é considerado um marco no estudo da ecologia urbana e da sociologia das cidades, explorando como o ambiente urbano molda o comportamento humano e as interações sociais.
- “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project” (1925) de Ernest W. Burgess. Publicado no American Journal of Sociology, este artigo introduz o conceito do “modelo de zonas concêntricas”, descrevendo a estrutura das cidades e como diferentes áreas urbanas se desenvolvem.
- “Urbanism as a Way of Life” (1938) de Louis Wirth. Este artigo, também publicado no American Journal of Sociology, analisa como a vida urbana influencia o comportamento, as relações sociais e a identidade dos indivíduos, argumentando que a urbanização leva ao anonimato e à fragmentação social.
- “Symbolic Interactionism: Perspective and Method” (1969) de Herbert Blumer. Embora publicado posteriormente ao período de maior projeção da Escola de Chicago (que durou até meados da década de 1930), este livro sintetiza as ideias de Blumer sobre o interacionismo simbólico, uma abordagem central da Escola de Chicago, explorando como os indivíduos atribuem significados às suas interações sociais.
- “Mind, Self, and Society” (1934) de George Herbert Mead. Publicado postumamente, este livro é uma compilação das ideias de Mead sobre o desenvolvimento do “self” (eu) e a relação entre indivíduo e sociedade. Sua teoria do interacionismo simbólico é fundamental para a sociologia e a comunicação.
- “The Polish Peasant in Europe and America” (1918-1920) de William I. Thomas e Florian Znaniecki. Este estudo clássico é uma das primeiras grandes pesquisas empíricas da sociologia, explorando a migração e a adaptação cultural dos imigrantes poloneses nos Estados Unidos.
- “The Ecological Aspect of Institutions” (1936) de Everett Hughes. Hughes explora como as instituições sociais se adaptam ao ambiente urbano e como elas influenciam a vida das pessoas.
- “Human Nature and the Social Order” (1902) de Charles Horton Cooley. Cooley introduz o conceito do “grupo primário” e do “self” como produto das interações sociais, ideias que influenciaram profundamente a sociologia e a comunicação.
- “The Folk Society” (1947) de Robert Redfield. Publicado no American Journal of Sociology, este artigo contrasta as sociedades tradicionais (folk) com as sociedades urbanas modernas, destacando as mudanças culturais e sociais.
É importante notar que a Escola de Chicago, embora mais conhecida por suas contribuições à sociologia urbana e ao interacionismo simbólico, também foi pioneira nos estudos teóricos da comunicação de massa. A obra “Introduction to the Science of Sociology” (2004, embora compilada posteriormente, reflete o trabalho de base) de Park e Burgess também é um texto fundamental na disciplina.
Legado duradouro
Apesar das mudanças e evoluções no campo da comunicação, a Escola de Chicago deixou um legado inegável. Suas ideias pioneiras sobre a importância da comunicação na sociedade, o papel da mídia na integração social e a compreensão da interação simbólica continuam a influenciar os estudos da comunicação até hoje.
Para você, estudante ou concurseiro, entender a Escola de Chicago é fundamental para compreender as bases teóricas da sua área e para se destacar em provas e debates.
A Escola de Chicago nos ensinou a olhar para a cidade e para a comunicação como fenômenos intrinsecamente ligados, moldando nossas vidas e nossas sociedades.