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Um guia científico para superar a solidão e o isolamento

A Epidemia Silenciosa do Século XXI

A solidão não é um problema individual, mas um fenômeno global. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1 em cada 4 adultos se sente solitário, e essa condição está ligada a riscos comparáveis ao tabagismo para a saúde!

Mas como é possível nos sentirmos tão isolados se as pessoas estão (literalmente) ao alcance das nossas mãos?

Para entender, vou te explicar esse contexto com base na ciência, com biologia e história evolutiva. Também vou deixar algumas estratégias práticas para quem quiser transformar a solidão em conexões significativas.

A diferença entre Solidão e Isolamento

A solidão é uma resposta emocional subjetiva à falta de conexões significativas, enquanto o isolamento é a ausência física de contato social.

Há um artigo científico bastante interessante que revisa o conceito e as definições de solidão, focando principalmente na solidão negativa, caracterizada por uma sensação desagradável de falta ou perda de companhia, em contraste com a solidão “positiva”, descrita por filósofos como solitude.

Jenny de Jong Gierveld investiga os determinantes da solidão em idosos, destacando a perda do parceiro e a deterioração da saúde como fatores importantes, bem diferente das pesquisas com populações mais jovens. Mas também fala sobre as consequências da solidão, como a depressão e os problemas de saúde; ou seja, é uma condição tratável.

Devido à conotação negativa (emocional) – o estigma social – ligado ao fenômeno da solidão, pessoas com deficiências em seus relacionamentos nem sempre admitem que estão solitárias.

Gierveld (1998)

Isso demonstra que a solidão é a percepção subjetiva de que as relações sociais são insuficientes ou insatisfatórias, e não apenas estar fisicamente sozinho. Em outras palavras, pode ser uma sensação de desconexão, mesmo estando em uma festa com muitas pessoas.

Portanto, a solidão é algo bastante complicado de lidar. Enquanto o isolamento é simplesmente ficar sozinho (literalmente), solidão é sentir-se sozinho.

Biologia da Solidão: por que ela dói como uma ferida física?

O artigo Loneliness in the Modern Age: An Evolutionary Theory of Loneliness (ETL), de John T. Cacioppo e Stephanie Cacioppo, apresenta uma teoria evolutiva da solidão, contrastando com as abordagens tradicionais que a veem apenas como um fenômeno humano.

A ETL argumenta que a percepção de solidão é um sinal biológico automático, que ativa mecanismos de sobrevivência a curto prazo, mas com consequências negativas para a saúde a longo prazo.

E há diversos caminhos teóricos pelos quais a solidão afeta a saúde, incluindo alterações do sono, do eixo HPA, da imunidade e do sistema nervoso simpático, além de comportamentos mais egocêntricos e aumento da sintomatologia depressiva. Assim, a prevalência significativa da solidão na sociedade moderna e sua associação com a mortalidade precoce são perceptíveis.

Essa teoria dos Cacioppo, compara a solidão a um sistema de alerta evolutivo semelhante à fome ou sede. Para nossos ancestrais, pertencer a um grupo era questão de vida ou morte, porque precisamos de outras pessoas para caçar, defender-se de predadores e criar filhos exigia cooperação; a base da sobrevivência coletiva.

Por que isso persiste hoje?

Diversos estudos, incluindo de ressonância magnética, revelam a neuroquímica da solidão e mostram que a solidão ativa as mesmas regiões cerebrais que a dor física (como o córtex cingulado anterior).

Portanto, embora não enfrentemos leões, situações como rejeição em redes sociais ou exclusão de grupos de pessoas ativam os mesmos mecanismos de defesa, gerando ansiedade e hipervigilância.

Nosso cérebro ainda acredita que não somos capazes de sobreviver sozinhos, por isso temos toda essa cadeia de reações que nos obriga a encontrar e participar de um grupo e socializar.

Homens e mulheres vivem a solidão de maneiras diferentes

Um outro artigo bem interessante analisou um vasto conjunto de dados de chamadas telefônicas móveis para investigar como a idade e o sexo influenciam as relações humanas ao longo da vida.

Os autores descobriram pessoas mais jovens têm mais contatos, e, entre elas, os homens costumam ser tão conectados quanto as mulheres. Mas isso muda com o tempo: a partir dos 35 anos de idade, as mulheres passam a ter menos contatos do que os homens. Isso acontece porque, ao longo da vida, as mulheres tendem a focar mais nas relações familiares.

O estudo também analisou como o tempo de comunicação é distribuído. Usando um indicador chamado coeficiente de Gini, os pesquisadores perceberam que os mais velhos concentram suas interações em poucas pessoas, principalmente familiares. Já os mais jovens dividem o tempo social de maneira mais equilibrada entre vários contatos.

GRUPOCARACTERÍSTICASDESAFIOS
Homens (20-30 anos)Conexões baseadas em atividades como esportes, jogos online e trabalho.A cultura da masculinidade dificulta conversas íntimas, aumentando o isolamento emocional.
Mulheres (após 39 anos)Fortalecimento de redes comunitárias, como grupos de apoio, escolas dos filhos e voluntariado.A pressão para equilibrar carreira e família pode gerar exaustão social, mesmo com muitas conexões.

Mas olha que curioso: em culturas coletivistas, há menor relato de solidão, sugerindo que valores comunitários atenuam o isolamento.

Estratégias baseadas em ciência para se reconectar

Baseado em um artigo da Vox, The case for fewer friends, e no artigo de Cacioppo que citei no início deste post, reuni métodos cientificamente comprovados para ajudar a reduzir a sensação de solidão. Espero que ajude!

1) Regra 3-5-7 para amizades

Uma estrutura simples para fortalecer conexões sociais:

  • 3 amigos íntimos: pessoas com quem você pode ser vulnerável e compartilhar sua vida sem medo e sem amarras.
  • 5 conexões de apoio: colegas, vizinhos ou conhecidos que oferecem suporte.
  • 7 interações semanais: pequenos contatos (mensagens, cumprimentos, encontros casuais) para reforçar o seu senso de pertencimento.

2) Técnica dos micro-momentos

A qualidade das interações pode ser mais importante do que a quantidade!

  • 15 minutos diários: reserve um tempo para uma conexão intencional (ex.: ligar para um amigo, elogiar alguém).
  • Perguntas que aprofundam o diálogo: troque o tradicional “Oi! Tudo bem?” por algo mais significativo, como “O que te deixou feliz hoje?”.

3) Voluntariado com propósito

Ajudar os outros também melhora o bem-estar de quem ajuda e pode ser uma excelente maneira de sair do isolamento – se você desejar. Isso porque o ato de contribuir libera endorfinas e reduz o estresse (como alguns chamam de Helper’s High).

E é sempre possível praticar o voluntariado com base no que mais te agrada ou nas habilidades que você tem. Você pode, por exemplo, oferecer mentoria profissional, ajudar na distribuição de alimentos ou até dar apoio emocional em comunidades online.

4) Reinventando espaços públicos

E, claro, não deixe de aproveitar lugares comunitários para conhecer novas pessoas e, quem sabe, encontrar o amigo que está faltando para você. E há várias maneiras de começar uma conversa com pessoas que você não conhece.

Trate a sua solidão ou curta a sua solitude

Mesmo com todas as informações, ainda acho importante dizer que não tem problema algum se você não sentir tanta necessidade de contato social.

Já gravei um vídeo explicando porquê está tudo bem em não ter tantos amigos e deixei logo ali em cima para você assistir. Aproveite para se inscrever no canal!

Apenas tenha em mente que é preciso combater o isolamento se isso estiver te fazendo mal de alguma maneira. Aí você pode tentar fazer novos amigos ou até procurar ajuda profissional de um terapeuta, psicólogo ou psiquiatra.

Mas também, não vá se isolar demais, hein?!

É importante ter equilíbrio e combinar momentos de isolamento e momento para estar com as pessoas que você mais ama.

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